quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

O ENCONTRO

I
Vestiu-se com certa solenidade
Perfumou-se com seu melhor perfume
Sorriu com grande sinceridade
Viu-se no espelho, parecendo ter ciúme
Saiu marchando a passos largos
Remetendo-se como quem manda uma carta
Endereçando-se por transportes pagos
Se preparando para uma tarde farta

II
Chegou triunfantemente
Erguendo-se com postura aristocrática
Sorriu-se maliciosamente
Se postando de forma enfática

III
Sentou-se alegremente
Como se, a espera fosse breve
Acena gentilmente
Fingindo sentir-se leve

IV
Mas a espera se estende
Por duas horas e mais um pouco
Olhando ao lado, ainda entende
Disfarçando o desconforto

V
Mas não há o que enganar
Fora esquecido, abandonado
Sem ter mais o que disfarçar
Volta sozinho, meio vexado

VI
Não é raiva que está sentindo
E muito menos compreensão
Sua vaidade que vai fugindo
Em vez de alegria, sobra tensão

VII
Falta o sorriso, fica a roupa bonita
fica o seu cheiro, a gentileza
Falta o ar aristocrático, triunfante
Falta a tarde, ficam as dúvidas
Falta a luz, fica a noite
Ficam e faltam, sobram, as rimas pobres
Deixou-se, triunfou a desilusão

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Passei no Mestrado (kkkkkkkkkk) que felicidade!

Para meus amigos que me acompanharam desde Outubro, quando se iniciou o processo seletivo para o mestrado, minha alegria – apesar dessa personalidade um tanto fleumática – se justifica nesse momento. Aliás, para os que me acompanham desde meu ingresso na UFPE, sabem muito bem o valor de mais essa conquista. Agora, é trabalhar ainda mais para realizar um grandioso trabalho, e sem dúvidas me dedicarei para fazer história na História (desculpe-me o trocadilho).
Bem, pensei em escrever algo para comemorar essa grande alegria, mas decidi postar aqui um textinho que eu li no auditório na “aula da saudade”, quando nos formamos em Maio deste ano, que é assim:

Meus queridos amigos, hoje, em um evento intitulado “aula da saudade”, penso que não há melhor momento para expressar através de simples palavras, algo tão profundo quanto “sentimentos”, de verdade, hoje quero apenas falar de sentimentos.
Sentimentos que hoje afloram, quando olhamos em perspectiva toda nossa vivência e luta nesses anos de Universidade. Dificuldades, inúmeras; decepções, muitas. Mas também vivenciamos a superação, superação de quem tinha em mente seus desejos. E hoje, gostaria que nesse momento, cada um de vocês refletisse sobre seus desejos, suas perspectivas, lembre o quanto mudamos nesses últimos anos.
Amigos, certamente mudamos muito, nossos sonhos, nossas realidades, nossos interesses, mas algo não deve ser nunca modificado: nossa capacidade de sempre buscar o melhor. Com isso quero animar principalmente aqueles que por algum motivo deixaram com que as decepções os fizessem esquecer de suas lutas para alcançar esse dia. Peço para que pensem em alguns amigos que infelizmente não conseguiram alcançar este momento, seja por suas dificuldades, seja pela fatalidade.
Desejo, que cada um (a) de vocês aqui presentes tenham sempre em mente a necessidade de fazer o melhor, e com isso, sempre busquem o melhor, independente de onde estejam e do que estejam fazendo.
Também quero demonstrar-lhes o enorme prazer que sinto, em ter convivido com vocês durante esses anos de UFPE. Com vocês amadureci, aprendi; e aprendi não apenas ser um pesquisador ou professor, mas um ser humano. Nossas lições certamente ficarão escritas nas linhas que nunca serão apagadas da minha vida, pois é a vocês que devo principalmente o fato de estar aqui hoje.

Por fim, gostaria de me dirigir a nossa amiga que apesar de não está presente nesta sala, certamente está presente nos corações de cada um de nós, mesmo daqueles que não chegaram a conhecê-la pessoalmente. Pollyana, queremos compartilhar nossa vitória com você, pois com certeza você participou dessa conquista; queremos compartilhar nossa alegria, principalmente porque essa era sua imagem; queremos lhe dar um forte abraço e lhe expressar nossa profunda admiração por sua força, por sua vontade de viver e saiba que você será sempre lembrada por nós como o maior exemplo de superação, de vontade, de quem venceu a maior dificuldade entre todas e espero que um dia possamos lhe passar tanto orgulho o quanto temos de você hoje. Pollyana, desejo para você e para todos nós que o futuro esteja, através de nossas lutas, repleto de felicidades. Um abraço carinhoso a tod@s vocês.



Naquela oportunidade, dediquei a vitória a meus amigos; agora, não posso fazer diferente, de jeito algum. Meus (minhas) querid@s amig@s, professores, funcionários, meus sinceros agradecimentos, é de coração.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

O ESPÍRITO NATALINO: UMA FRAUDE CAPITALISTA

Todos os anos, o ritual se repete em um grande número de lares do mundo cristão; na noite do dia 24 de Dezembro, as famílias se reúnem em torno de uma mesa, fartamente enfeitada com frutas, da terra ou importada, fazendo desta imagem, algo mais esplendoroso do que a “Natureza morta” de Rembrant. No centro desta mesa, estrela o mais desejado das delícias natalinas: o peru. Nem precisa pensar que este peru enfrentou uma grande luta em cadeia nacional no horário nobre dos principais veículos de comunicação. Se é Sadia, Perdigão, ou tantas outras marcas famosas, agora isso parece irrelevante frente ao desejo do primeiro pedaço. Salve o Peru de Natal. Ah, nesta mesma mesa, estão outros quitutes, e alguns com papel de destaque: panetones, pães, bolos, entre tantos doces. Eis a mesa de natal.
Ao redor das mesas, as pessoas quase tão ornamentadas quanto a mesa. Suas roupas novas, o brilho, os perfumes, o esplendor. Antes disso, as ruas lotadas, as corridas desesperadas às lojas, os cartões de crédito estourados, os trabalhadores, a jornada exaustiva de trabalho. As promoções, e o adeus do 13º salário.
Na sala, as árvores de plástico enfeitadas com lâmpadas e bolinhas coloridas, formam uma obra de arte da indústria chinesa.
- Ah!!!
- exclamaria Zé Né.
- Como pode ser isso, eles nem têm festa de natal!!!!
Pobre Zé Né, se espantaria ao ver as crianças neste dia; ansiosas esperando um velhinho vestido com uma roupa de frio vermelha, com um saco cheio de presentes preparados por duendes que seria entregues em um trenó voador movido à energia de renas. A originalidade desta aberração em terras tropicais – que poderia ao menos no Brasil, usar um traje de verão – também é tão mutante quanto os desejos pelos presentes. Esse mesmo velhinho se transforma em coelhinho em Março, mãe em Maio, pai Outubro, entre tantas outras criações de um poder divino chamado Consumo, abençoado por técnicas e peripécias dos sacerdotes do Marketing. Aliás, esses caras são realmente muito bons – a figura do bom velhinho prospera entre nós para nos provar isso.
A ceia de Natal, o ato final de um teatro que envolve atores que por raras vezes refletem sobre o seu papel. Repetem entusiasticamente os jargões do dos textos da peça. Dançam, brincam, ridicularizam-se, festejam. Representam. Estrelam e figuram o teatro regular e circular do consumo.
O sentimento de amor ao próximo, a comemoração do nascimento de Jesus, a união familiar não seria a mesma coisa sem a mesa enfeitada, o peru, a indústria chinesa das bolinhas e pisca-piscas, dos quitutes, das nozes; não é mesma coisa sem as roupas e perfumes novos, sem os presentes e a ilusão do bom velhinho.
Isto porque o Natal é o consumo e o consumo é também o Natal.
Certamente não há Natal para as maiorias das famílias. Não apenas porque a maioria não seja cristã, mas simplesmente porque não possuem as oferendas – dinheiro – para o Deus maior: o capitalismo.
Finalmente, enquanto se enganam com essa farsa, milhares de crianças pelo mundo morrem de fome. Desistir de pensar em alguma frase que resuma tudo isso, mas um grande poeta de ajudou nesta tarefa, e o resumo é apenas isso:

“Nos deram espelhos, e vimos um mundo doente” (R. Russo)

É de fato um mundo doente.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Eu tento, mas...

Uma amiga chamada Wanessa muitas vezes tentou me convencer que eu deveria ser mais descontraído, escrever coisas bobas (como se as que eu já escrevo não fosse por demais), todavia, sinceramente, isso fica a cada dia mais difícil.
Ô mundinho para me trazer inquietação.
Sabe essa droga de promoção da OI, pois bem, eu perdi. Perdi porque a operadora simplesmente não teve a competência de efetuar o cadastro a tempo. Daí eu ligo para reclamar, e olhe, é horrível ter que dialogar com uma máquina:
- Por favor, fale o que deseja!
- É que eu não fui cadastrado, e preciso saber o por quê!
- Desculpe não compreendi!
- É claro, você é uma máquina!
- Por favor, ainda não foi possível comprender!
- Você é um demônio da modernidade, P... Q... P...!
- Por favor, você precisa falar o que deseja para que eu possa lhe ajudar!
- EU QUERO CONVERSAR COM UM SER HUMANO! Ora P...
Bem, não sei explicar como, mas consegui ser atendido por um ser humano.
Contudo, para minha completa infelicidade, a conversa com o ser racional do outro lado da linha foi tão infrutífera quanto com a máquina, aliás, confesso que fiquei mais decepcionado com o Homo Sapiens fêmea do Telemarketing.
Bem, taí uma palavra que eu simplesmente odeio, assim como seus procedimento robotizados. Mas será que a humanidade está fadada a robotização? Eis uma discussão interessante; se por ventura alguém lêr esse texto, seria legal discutir essa questão.
Por fim, só queria relatar que após a conversa com minha amiga Wanessa, até estaria tentando me convencer. Só que alguns minutinhos depois ocorreu uma coisinha muito simples próximo a minha pessoa. É que uma moça havia deixado caír dinheiro no chão, 7,00 R$. Daí ela panhou:
- Oxe, se fosse apenas a de 2,00 R$ eu não panharia nada.
- Menina, o que é isso (interveio a amiga), 2R$ é uma cerveja.

2,00 R$ era o que eu tinha na carteira para o restante da semana ...
...
...
O Mundo é de fato inquietante!

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Sobre carros e transporte público.

Desde ontem, assisto na tv ou leio em jornais e internet, algo sobre esse tal dia sem carro. A idéia é até bem legal, e em sua origem, na Europa ocidental, faz grande sentido, mas no Brasil, é uma completa perda de tempo.
Gente, como sempre em terras tupiniquins, procura-se comer um omelete sem sequer ter a galinha. Antes de discutirmos o uso do automóvel, deve-se tratar da qualidade do transporte público, da infraestrutura das cidades, da segurança, entre tantas outras coisas.
Como alguns amigos bem sabem, tive a oportunidade de passsar um mês na Alemanha, e pude observar que a infreestrutura das cidades permite ao cidadão ir de bicicleta ao trabalho, nas ciclovias, de metrô, que interliga toda a cidade (caso de München, por exemplo) pelo subterrâneo, ou por trem elevado (caso de Berlim), ou até através de Trambahn, que são bondes elétricos de superfície.
Em outras palavras, a discussão sobre o uso dos atomóveis particulares na Europa é extremamente produtiva porque há alternativas até mais proveitosas para o cidadão. Por outro lado, no Brasil, essa disscussão é apenas mais uma modinha, imitação.
Gente do meu Brasil, já passou a hora de acordar, a questão do transporte público é muito séria e já venho chamando atenção par isso a muito tempo, pois envolve não apenas a discussão do meio ambiente, mas diz resspeito a uma série de problemas do nosso povo, fala de dignidade a um nível geral.
Bem, sem mais delongas, o recado ta passado.

E eu sei lá!!!!!!

Traçar, mirar, buscar
cansar, animar, reviver
sair, voltar, ler, relêr
pegar, soltar, reincidir
incidir, sobrepujar, esperar
correr, sentir, sentir, sentir
viver....

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Francisco

Que capacidade é essa?
Que mesmo quando a desgraça do mundo é experimentada no cotidiano,
que mesmo quando a fome lhe consome as entranhas
e o dia se dissipa por entre as trevas da indiferença alheia,
a sua sutileza lhe coloca entre os mais nobres dos homens.
Que sorriso é esse?
que no mesmo espaço que lhe proporciona a miséria,
que lhe engana, lhe exclui, lhe humilha
que lhe traz dor,
ainda é o reflexo do deslumbramento.
E que deslumbramento é esse?
as paredes, o concreto, os prédios
o aço, os carros
as letras, sim as letras
este que sequer ao menos sabe o segredo de juntá-las, entendê-las
emociona, comove, me comove.
Francisco, Seu Francisco...
...
Tua coragem, tua simplicidade
tua história comove, ensina,
me trás força.
...
Francisco, Seu Francisco
Tua luta é exemplar, sua vida inspiração
O egoísmo das pessoas, obstáculo
e sua derrota, inevitável.
...
A tua derrota, meu exemplo, minhas lágrimas
Minha força, meu levantar, minha luta também.

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Um vendedor de castanhas.

Seria minha energia posta cotidianamente em desgaste,
por nada?
Meu rosto vermelho, minha desilusão.
Meus passos curtos,
pisadas, pisados.
Sofrível, sofridos.
Quisera eu trazer de volta o Rei,
que restituísse minha alma,
minha dignidade, minha existência.
Hoje, sou apenas mais uma silhueta, invisível aos outros.
Minhas castanhas, minha casta sabedoria.
O que tudo isso significa?
Meus passos curtos, pisadas, pisados.
Meu rosto vermelho,
minha tristeza.
Vou me procurar,
pois nada sou, hoje nada fui.
Castanhas, sofrimento e indiferença,
de nada adianta minha pouca energia.
Pouco importa minha sabedoria.

O Homem Cordial, ontem e hoje, mas até quando?

No início do século XX, Sérgio Buarque de Holanda em seu “Raízes do Brasil” apresenta a tese do homem cordial, que ao contrário do que parece indicar, não se trata da cordialidade que muitas vezes é atribuída ao povo brasileiro, mas sim de um mal que nos acompanha desde o germe da organização, ou desorganização, do estado no Brasil. O que Sérgio Buarque se referia no século passado, era a apropriação do estado pelos homens que ocupam os diversos cargos públicos, em benefício próprio. No período colonial, os governantes enviados por El Rey da metrópole, muitas vezes foram acusados por exercer seus cargos em benefício próprio. Mas não apenas os Governadores, principais representantes do Rei no Brasil, mas também os diversos funcionários de diferentes instâncias, assim como os homens que arrematavam ao governo português o direito de cobrar os impostos. É claro que não devemos esquecer também dos “homens bons”, que eram os vereadores locais, teoricamente comprometidos com as demandas da região; estes, sempre membros das elites locais, na maioria das vezes agro exportadores, não vacilaram no exercício de se utilizar da débil vigilância do estado português para defender seus interesses, a despeito da sociedade. Durante o Império, as ações dos coronéis locais estruturaram, baseadas no clientelismo e no personalismo, uma política que atravessou o império e chegou à República. É do Império a célebre frase “Não há um político tão conservador, quanto um liberal no poder”, ou vice-versa, que nos oferece um pouco do panorama político no império brasileiro. Os políticos pouco divergiam quanto as suas ações ou ideologia, mas sim quanto a seus interesses. Valia sobretudo um cargo no governo para usufruir da melhor forma este benefício, sempre pessoal, é claro. A República já nasce enferma, e nas poucas regiões onde os coronéis perdem parte de seu poder político, principalmente nos centros urbanos, surgem os arrivistas, que teoricamente dotados de um espírito liberal, usufruem do estado do mesmo modo que os antigos proprietários do aparelho estatal. Daí a corrupção, pautada na ganância do enriquecimento rápido, colocou sempre em segundo plano o interesse da sociedade. Após esse breve relato, não é difícil pensar o quanto a política brasileira, ou grande parte dos políticos brasileiros agem de forma parecida desde o século XVI aos dias atuais. Desde os “homens bons”, vereadores da colônia, a figuras como o presidente do Senado, Renan Calheiros, vêm espoliando o estado sempre em benefício próprio. Daí o questionamento, o “homem cordial” foi e ainda é figura presente no aparelho estatal brasileiro, mas até quando devemos nos submeter a isso? O usufruto indevido do aparelho estatal faz parte da “irracionalidade” brasileira, ao ponto de ser encarada como ação comum de quem ocupa desde um cargo eminente em Brasília, ao responsável pelos materiais de escritório de uma repartição pública. Dessa forma, combatemos não apenas funcionários públicos corruptos como Renan Calheiros e CIA, combatemos acima de tudo uma irracionalidade que infelizmente está enraizada na concepção brasileira. Essa “irracionalidade” se fortalece a cada exemplo de impunidade, acompanhado pelos brasileiros, algumas vezes com indignação, e infelizmente, muitas vezes com indiferença. Contudo, as ações do PSOL nas ruas pela cassação do Presidente do Senado, é o melhor exemplo de combate ao usufruto indevido do estado, e subjetivamente a “irracionalidade” do “homem cordial”. Certamente a campanha “Fora Renan” vem ganhando a cada dia mais forca, trazendo à sociedade brasileira a esperança do cumprimento da justiça. Nossa campanha também nos traz a esperança que um dia “homem cordial”, seja uma infeliz lembrança do passado, e que a “irracionalidade” que degrada a sociedade brasileira, venha a ser substituída por um forte sentimento de justiça e honestidade, como exemplo para as gerações futuras

Artigo publicado no site do PSOL Pernambuco: www.psolpe.org.br

Etanol, a salvação do Brasil?

Diante dos prenúncios de uma catástrofe natural, além da inevitável extinção das fontes de combustíveis fósseis, como o petróleo, os combustíveis renováveis, tidos como menos poluentes estão cada vez mais presentes na pauta do mercado internacional. Possuidor de um imenso território e de uma prodigiosa riqueza natural, o Brasil apresenta-se como um dos maiores produtores de energia renovável do futuro. E não apenas por sua capacidade natural, o Brasil destaca-se também pelos esforços relativos ao desenvolvimento tecnológico.
Atualmente vivenciamos um clima de entusiasmo com a produção do etanol, discussões acerca das possibilidades de exportar o combustível para os principais mercados consumidores como os E.U.A e União Européia, tornam-se cada vez mais presentes tanto nas esferas dos produtores e governantes, quanto na imprensa. Todavia, é necessário substituir o clima entusiástico por uma reflexão sobre as condições de produção do etanol no Brasil.
O etanol é produzido a partir da cana-de-açúcar, planta que foi trazida ao Brasil pelos portugueses no século XVI. Diante da necessidade de ocupar o território que lhes foi garantido com o tratado de Tordesilhas, a produção do açúcar foi a resposta mais viável para o aproveitamento econômico das terras ocupadas, uma vez que a prática extrativista, como a extração do pau-brasil, não correspondia a necessidade de se fixar no Brasil. Assim, em Pernambuco e na Bahia, principalmente, logo foram instalados centros produtores de açúcar, que obtiveram grande sucesso. Para se ter uma idéia, em Pernambuco, havia cinco engenhos em 1555, número que aumentou para vinte e três em 1570 e cento e vinte quatro em 1629.
Assim, no século XVII, Pernambuco era um dos principais centros produtores da especiaria no mundo. Contudo esse desenvolvimento não se deu sem deixar grandes problemas que nos afetam até hoje, entre ele podemos destacar três que estão intimamente relacionados: o latifúndio, o desmatamento e a escravidão.
A partir da política de distribuição de terras, o regime das Sesmarias, grandes porções de terras foram doadas aos indivíduos mais eminentes da colônia. Tal política retirava dos indígenas as terras tidas como “devolutas” (não aproveitadas) e concentravam enormes porções de terras aos nobres, no qual deveriam ser utilizadas para o plantio de cana-de-açúcar e, posteriormente, no sertão, para a pecuária.
Desde que as primeiras mudas da cana foram plantadas, iniciou-se um processo constante de devastação e desgaste das terras doadas como sesmarias. No caso do litoral pernambucano, grande parte da mata atlântica foi devastada cedendo espaço para enormes plantações de cana-de-açúcar.
A economia açucareira tinha como sustentáculo principal o trabalho escravo, inicialmente a mão-de-obra indígena que principalmente no final do século XVI e início do XVII foi acrescida por milhões de homens e mulheres que foram arrancados da África e vendidos aos produtores em centros urbanos como Recife e Salvador ao longo de três séculos.
Assim, é necessário antes de apostar com entusiasmo no etanol, fazer uma reflexão sobre as relações que envolvem a produção do combustível. Nosso breve histórico, nos permite observar ao menos três problemas sociais que afligem nosso país nos dias atuais.
A questão do latifúndio, inaugurado com o regime das sesmarias permanece como uma barreira para o acesso dos trabalhadores à terra. Tal barreira provoca a miséria dos agricultores, a limitação da capacidade produtiva de alimentos para o mercado interno, a migração para os centros urbanos e a violência, entre tantos outros fatores. Além disso, sob o aspecto ambiental, é importante observar que antes de tudo é necessário proteger os resquícios das matas que ainda permaneceram diante da devastação da cultura canavieira.
Assim, queremos salientar que é necessário discutir de que forma se pretende expandir a produção canavieira e consequentemente a produção do etanol; a geração de mais desmatamento assim como a ampliação dos latifúndios e, ou a expulsão dos trabalhadores rurais das terras que ocupam, que vem ocorrendo principalmente desde o século XIX, são pontos fundamentais que devem estar presentes na pauta de discussão da sociedade brasileira.
Outra questão também se apresenta como fundamental nessa discussão: a condição dos trabalhadores. Como já mencionamos, a cultura canavieira se apoiou durante quase quatro séculos no trabalho escravo e a situação de muitos trabalhadores dos canaviais pouco difere das relações empregadas à séculos atrás. Os “bóias-frias” como são chamados, trabalham sazonalmente através de vínculos bastante frágeis. Sobre esses trabalhadores recai uma carga sobre-humana de esforço a que apenas podemos comparar com o trabalho dos escravos, que durante a longa jornada diária cortam toneladas de cana. As roupas pesadas necessárias ao trabalho e o calor escaldante são infelizes condições que levam muitos trabalhadores ao óbito, que são ignorados pelos arrogantes exploradores usineiros.
Dessa forma, uma reflexão sobre as relações que estão contidas na produção do etanol torna-se urgente. A produção da borracha, na Amazônia no início do século XX, é um dos melhores exemplos para que possamos visualizar que um momento econômico favorável não deve apenas ser acompanhado com entusiasmo, deve ser sim encarado com responsabilidade; e nossas demandas sociais devem estar em primeiro plano na pauta da viabilidade do desenvolvimento da produção do etanol.

Publicado no Site do PSOL Pernambuco: www.psolpe.org.br