Diante dos prenúncios de uma catástrofe natural, além da inevitável extinção das fontes de combustíveis fósseis, como o petróleo, os combustíveis renováveis, tidos como menos poluentes estão cada vez mais presentes na pauta do mercado internacional. Possuidor de um imenso território e de uma prodigiosa riqueza natural, o Brasil apresenta-se como um dos maiores produtores de energia renovável do futuro. E não apenas por sua capacidade natural, o Brasil destaca-se também pelos esforços relativos ao desenvolvimento tecnológico.
Atualmente vivenciamos um clima de entusiasmo com a produção do etanol, discussões acerca das possibilidades de exportar o combustível para os principais mercados consumidores como os E.U.A e União Européia, tornam-se cada vez mais presentes tanto nas esferas dos produtores e governantes, quanto na imprensa. Todavia, é necessário substituir o clima entusiástico por uma reflexão sobre as condições de produção do etanol no Brasil.
O etanol é produzido a partir da cana-de-açúcar, planta que foi trazida ao Brasil pelos portugueses no século XVI. Diante da necessidade de ocupar o território que lhes foi garantido com o tratado de Tordesilhas, a produção do açúcar foi a resposta mais viável para o aproveitamento econômico das terras ocupadas, uma vez que a prática extrativista, como a extração do pau-brasil, não correspondia a necessidade de se fixar no Brasil. Assim, em Pernambuco e na Bahia, principalmente, logo foram instalados centros produtores de açúcar, que obtiveram grande sucesso. Para se ter uma idéia, em Pernambuco, havia cinco engenhos em 1555, número que aumentou para vinte e três em 1570 e cento e vinte quatro em 1629.
Assim, no século XVII, Pernambuco era um dos principais centros produtores da especiaria no mundo. Contudo esse desenvolvimento não se deu sem deixar grandes problemas que nos afetam até hoje, entre ele podemos destacar três que estão intimamente relacionados: o latifúndio, o desmatamento e a escravidão.
A partir da política de distribuição de terras, o regime das Sesmarias, grandes porções de terras foram doadas aos indivíduos mais eminentes da colônia. Tal política retirava dos indígenas as terras tidas como “devolutas” (não aproveitadas) e concentravam enormes porções de terras aos nobres, no qual deveriam ser utilizadas para o plantio de cana-de-açúcar e, posteriormente, no sertão, para a pecuária.
Desde que as primeiras mudas da cana foram plantadas, iniciou-se um processo constante de devastação e desgaste das terras doadas como sesmarias. No caso do litoral pernambucano, grande parte da mata atlântica foi devastada cedendo espaço para enormes plantações de cana-de-açúcar.
A economia açucareira tinha como sustentáculo principal o trabalho escravo, inicialmente a mão-de-obra indígena que principalmente no final do século XVI e início do XVII foi acrescida por milhões de homens e mulheres que foram arrancados da África e vendidos aos produtores em centros urbanos como Recife e Salvador ao longo de três séculos.
Assim, é necessário antes de apostar com entusiasmo no etanol, fazer uma reflexão sobre as relações que envolvem a produção do combustível. Nosso breve histórico, nos permite observar ao menos três problemas sociais que afligem nosso país nos dias atuais.
A questão do latifúndio, inaugurado com o regime das sesmarias permanece como uma barreira para o acesso dos trabalhadores à terra. Tal barreira provoca a miséria dos agricultores, a limitação da capacidade produtiva de alimentos para o mercado interno, a migração para os centros urbanos e a violência, entre tantos outros fatores. Além disso, sob o aspecto ambiental, é importante observar que antes de tudo é necessário proteger os resquícios das matas que ainda permaneceram diante da devastação da cultura canavieira.
Assim, queremos salientar que é necessário discutir de que forma se pretende expandir a produção canavieira e consequentemente a produção do etanol; a geração de mais desmatamento assim como a ampliação dos latifúndios e, ou a expulsão dos trabalhadores rurais das terras que ocupam, que vem ocorrendo principalmente desde o século XIX, são pontos fundamentais que devem estar presentes na pauta de discussão da sociedade brasileira.
Outra questão também se apresenta como fundamental nessa discussão: a condição dos trabalhadores. Como já mencionamos, a cultura canavieira se apoiou durante quase quatro séculos no trabalho escravo e a situação de muitos trabalhadores dos canaviais pouco difere das relações empregadas à séculos atrás. Os “bóias-frias” como são chamados, trabalham sazonalmente através de vínculos bastante frágeis. Sobre esses trabalhadores recai uma carga sobre-humana de esforço a que apenas podemos comparar com o trabalho dos escravos, que durante a longa jornada diária cortam toneladas de cana. As roupas pesadas necessárias ao trabalho e o calor escaldante são infelizes condições que levam muitos trabalhadores ao óbito, que são ignorados pelos arrogantes exploradores usineiros.
Dessa forma, uma reflexão sobre as relações que estão contidas na produção do etanol torna-se urgente. A produção da borracha, na Amazônia no início do século XX, é um dos melhores exemplos para que possamos visualizar que um momento econômico favorável não deve apenas ser acompanhado com entusiasmo, deve ser sim encarado com responsabilidade; e nossas demandas sociais devem estar em primeiro plano na pauta da viabilidade do desenvolvimento da produção do etanol.
Publicado no Site do PSOL Pernambuco:
www.psolpe.org.br