quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Francisco

Que capacidade é essa?
Que mesmo quando a desgraça do mundo é experimentada no cotidiano,
que mesmo quando a fome lhe consome as entranhas
e o dia se dissipa por entre as trevas da indiferença alheia,
a sua sutileza lhe coloca entre os mais nobres dos homens.
Que sorriso é esse?
que no mesmo espaço que lhe proporciona a miséria,
que lhe engana, lhe exclui, lhe humilha
que lhe traz dor,
ainda é o reflexo do deslumbramento.
E que deslumbramento é esse?
as paredes, o concreto, os prédios
o aço, os carros
as letras, sim as letras
este que sequer ao menos sabe o segredo de juntá-las, entendê-las
emociona, comove, me comove.
Francisco, Seu Francisco...
...
Tua coragem, tua simplicidade
tua história comove, ensina,
me trás força.
...
Francisco, Seu Francisco
Tua luta é exemplar, sua vida inspiração
O egoísmo das pessoas, obstáculo
e sua derrota, inevitável.
...
A tua derrota, meu exemplo, minhas lágrimas
Minha força, meu levantar, minha luta também.

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Um vendedor de castanhas.

Seria minha energia posta cotidianamente em desgaste,
por nada?
Meu rosto vermelho, minha desilusão.
Meus passos curtos,
pisadas, pisados.
Sofrível, sofridos.
Quisera eu trazer de volta o Rei,
que restituísse minha alma,
minha dignidade, minha existência.
Hoje, sou apenas mais uma silhueta, invisível aos outros.
Minhas castanhas, minha casta sabedoria.
O que tudo isso significa?
Meus passos curtos, pisadas, pisados.
Meu rosto vermelho,
minha tristeza.
Vou me procurar,
pois nada sou, hoje nada fui.
Castanhas, sofrimento e indiferença,
de nada adianta minha pouca energia.
Pouco importa minha sabedoria.

O Homem Cordial, ontem e hoje, mas até quando?

No início do século XX, Sérgio Buarque de Holanda em seu “Raízes do Brasil” apresenta a tese do homem cordial, que ao contrário do que parece indicar, não se trata da cordialidade que muitas vezes é atribuída ao povo brasileiro, mas sim de um mal que nos acompanha desde o germe da organização, ou desorganização, do estado no Brasil. O que Sérgio Buarque se referia no século passado, era a apropriação do estado pelos homens que ocupam os diversos cargos públicos, em benefício próprio. No período colonial, os governantes enviados por El Rey da metrópole, muitas vezes foram acusados por exercer seus cargos em benefício próprio. Mas não apenas os Governadores, principais representantes do Rei no Brasil, mas também os diversos funcionários de diferentes instâncias, assim como os homens que arrematavam ao governo português o direito de cobrar os impostos. É claro que não devemos esquecer também dos “homens bons”, que eram os vereadores locais, teoricamente comprometidos com as demandas da região; estes, sempre membros das elites locais, na maioria das vezes agro exportadores, não vacilaram no exercício de se utilizar da débil vigilância do estado português para defender seus interesses, a despeito da sociedade. Durante o Império, as ações dos coronéis locais estruturaram, baseadas no clientelismo e no personalismo, uma política que atravessou o império e chegou à República. É do Império a célebre frase “Não há um político tão conservador, quanto um liberal no poder”, ou vice-versa, que nos oferece um pouco do panorama político no império brasileiro. Os políticos pouco divergiam quanto as suas ações ou ideologia, mas sim quanto a seus interesses. Valia sobretudo um cargo no governo para usufruir da melhor forma este benefício, sempre pessoal, é claro. A República já nasce enferma, e nas poucas regiões onde os coronéis perdem parte de seu poder político, principalmente nos centros urbanos, surgem os arrivistas, que teoricamente dotados de um espírito liberal, usufruem do estado do mesmo modo que os antigos proprietários do aparelho estatal. Daí a corrupção, pautada na ganância do enriquecimento rápido, colocou sempre em segundo plano o interesse da sociedade. Após esse breve relato, não é difícil pensar o quanto a política brasileira, ou grande parte dos políticos brasileiros agem de forma parecida desde o século XVI aos dias atuais. Desde os “homens bons”, vereadores da colônia, a figuras como o presidente do Senado, Renan Calheiros, vêm espoliando o estado sempre em benefício próprio. Daí o questionamento, o “homem cordial” foi e ainda é figura presente no aparelho estatal brasileiro, mas até quando devemos nos submeter a isso? O usufruto indevido do aparelho estatal faz parte da “irracionalidade” brasileira, ao ponto de ser encarada como ação comum de quem ocupa desde um cargo eminente em Brasília, ao responsável pelos materiais de escritório de uma repartição pública. Dessa forma, combatemos não apenas funcionários públicos corruptos como Renan Calheiros e CIA, combatemos acima de tudo uma irracionalidade que infelizmente está enraizada na concepção brasileira. Essa “irracionalidade” se fortalece a cada exemplo de impunidade, acompanhado pelos brasileiros, algumas vezes com indignação, e infelizmente, muitas vezes com indiferença. Contudo, as ações do PSOL nas ruas pela cassação do Presidente do Senado, é o melhor exemplo de combate ao usufruto indevido do estado, e subjetivamente a “irracionalidade” do “homem cordial”. Certamente a campanha “Fora Renan” vem ganhando a cada dia mais forca, trazendo à sociedade brasileira a esperança do cumprimento da justiça. Nossa campanha também nos traz a esperança que um dia “homem cordial”, seja uma infeliz lembrança do passado, e que a “irracionalidade” que degrada a sociedade brasileira, venha a ser substituída por um forte sentimento de justiça e honestidade, como exemplo para as gerações futuras

Artigo publicado no site do PSOL Pernambuco: www.psolpe.org.br

Etanol, a salvação do Brasil?

Diante dos prenúncios de uma catástrofe natural, além da inevitável extinção das fontes de combustíveis fósseis, como o petróleo, os combustíveis renováveis, tidos como menos poluentes estão cada vez mais presentes na pauta do mercado internacional. Possuidor de um imenso território e de uma prodigiosa riqueza natural, o Brasil apresenta-se como um dos maiores produtores de energia renovável do futuro. E não apenas por sua capacidade natural, o Brasil destaca-se também pelos esforços relativos ao desenvolvimento tecnológico.
Atualmente vivenciamos um clima de entusiasmo com a produção do etanol, discussões acerca das possibilidades de exportar o combustível para os principais mercados consumidores como os E.U.A e União Européia, tornam-se cada vez mais presentes tanto nas esferas dos produtores e governantes, quanto na imprensa. Todavia, é necessário substituir o clima entusiástico por uma reflexão sobre as condições de produção do etanol no Brasil.
O etanol é produzido a partir da cana-de-açúcar, planta que foi trazida ao Brasil pelos portugueses no século XVI. Diante da necessidade de ocupar o território que lhes foi garantido com o tratado de Tordesilhas, a produção do açúcar foi a resposta mais viável para o aproveitamento econômico das terras ocupadas, uma vez que a prática extrativista, como a extração do pau-brasil, não correspondia a necessidade de se fixar no Brasil. Assim, em Pernambuco e na Bahia, principalmente, logo foram instalados centros produtores de açúcar, que obtiveram grande sucesso. Para se ter uma idéia, em Pernambuco, havia cinco engenhos em 1555, número que aumentou para vinte e três em 1570 e cento e vinte quatro em 1629.
Assim, no século XVII, Pernambuco era um dos principais centros produtores da especiaria no mundo. Contudo esse desenvolvimento não se deu sem deixar grandes problemas que nos afetam até hoje, entre ele podemos destacar três que estão intimamente relacionados: o latifúndio, o desmatamento e a escravidão.
A partir da política de distribuição de terras, o regime das Sesmarias, grandes porções de terras foram doadas aos indivíduos mais eminentes da colônia. Tal política retirava dos indígenas as terras tidas como “devolutas” (não aproveitadas) e concentravam enormes porções de terras aos nobres, no qual deveriam ser utilizadas para o plantio de cana-de-açúcar e, posteriormente, no sertão, para a pecuária.
Desde que as primeiras mudas da cana foram plantadas, iniciou-se um processo constante de devastação e desgaste das terras doadas como sesmarias. No caso do litoral pernambucano, grande parte da mata atlântica foi devastada cedendo espaço para enormes plantações de cana-de-açúcar.
A economia açucareira tinha como sustentáculo principal o trabalho escravo, inicialmente a mão-de-obra indígena que principalmente no final do século XVI e início do XVII foi acrescida por milhões de homens e mulheres que foram arrancados da África e vendidos aos produtores em centros urbanos como Recife e Salvador ao longo de três séculos.
Assim, é necessário antes de apostar com entusiasmo no etanol, fazer uma reflexão sobre as relações que envolvem a produção do combustível. Nosso breve histórico, nos permite observar ao menos três problemas sociais que afligem nosso país nos dias atuais.
A questão do latifúndio, inaugurado com o regime das sesmarias permanece como uma barreira para o acesso dos trabalhadores à terra. Tal barreira provoca a miséria dos agricultores, a limitação da capacidade produtiva de alimentos para o mercado interno, a migração para os centros urbanos e a violência, entre tantos outros fatores. Além disso, sob o aspecto ambiental, é importante observar que antes de tudo é necessário proteger os resquícios das matas que ainda permaneceram diante da devastação da cultura canavieira.
Assim, queremos salientar que é necessário discutir de que forma se pretende expandir a produção canavieira e consequentemente a produção do etanol; a geração de mais desmatamento assim como a ampliação dos latifúndios e, ou a expulsão dos trabalhadores rurais das terras que ocupam, que vem ocorrendo principalmente desde o século XIX, são pontos fundamentais que devem estar presentes na pauta de discussão da sociedade brasileira.
Outra questão também se apresenta como fundamental nessa discussão: a condição dos trabalhadores. Como já mencionamos, a cultura canavieira se apoiou durante quase quatro séculos no trabalho escravo e a situação de muitos trabalhadores dos canaviais pouco difere das relações empregadas à séculos atrás. Os “bóias-frias” como são chamados, trabalham sazonalmente através de vínculos bastante frágeis. Sobre esses trabalhadores recai uma carga sobre-humana de esforço a que apenas podemos comparar com o trabalho dos escravos, que durante a longa jornada diária cortam toneladas de cana. As roupas pesadas necessárias ao trabalho e o calor escaldante são infelizes condições que levam muitos trabalhadores ao óbito, que são ignorados pelos arrogantes exploradores usineiros.
Dessa forma, uma reflexão sobre as relações que estão contidas na produção do etanol torna-se urgente. A produção da borracha, na Amazônia no início do século XX, é um dos melhores exemplos para que possamos visualizar que um momento econômico favorável não deve apenas ser acompanhado com entusiasmo, deve ser sim encarado com responsabilidade; e nossas demandas sociais devem estar em primeiro plano na pauta da viabilidade do desenvolvimento da produção do etanol.

Publicado no Site do PSOL Pernambuco: www.psolpe.org.br